MENSAGEM

quarta-feira, 31 de março de 2010

Como é estranho ver as certezas ruírem.


Como é estranho ver as certezas ruírem; eu que já defendi minhas convicções como um Mosqueteiro medieval; que fui inquisidor; que já pedi cabeças na guilhotina e aticei fogueiras para arder hereges. Tantas convicções se esfarinharam diante da dureza do sofrimento humano que, hoje, meu único dogma é o amor. Minha única sede é me humanizar e meu único alvo, não perder a alma.


ricardo gondim.

quando uma etapa chega ao final...


"Sempre é preciso saber quando uma etapa chega ao final...
Se insistirmos em permanecer nela mais do que o tempo necessário, perdemos a alegria e o sentido das outras etapas que precisamos viver.

Encerrando ciclos, fechando portas, terminando capítulos. Não importa o nome que damos, o que importa é deixar no passado os momentos da vida que já se acabaram.

As coisas passam, e o melhor que fazemos é deixar que elas realmente possam ir embora...
Deixar ir embora. Soltar. Desprender-se.

Ninguém está jogando nesta vida com cartas marcadas, portanto às vezes ganhamos, e às vezes perdemos.
Antes de começar um capítulo novo, é preciso terminar o antigo: diga a si mesmo que o que passou, jamais voltará!

Lembre-se de que houve uma época em que podia viver sem aquilo, sem aquela pessoa - nada é insubstituível, um hábito não é uma necessidade.

Encerrando ciclos. Não por causa do orgulho, por incapacidade, ou por soberba, mas porque simplesmente aquilo já não se encaixa mais na sua vida.


Fernando Pessoa.

antes, é necessário ser um.


Enquanto não superarmos a ânsia do
amor sem limites,
não podemos crescer emocionalmente.

Enquanto não atravessarmos a dor de nossa própria solidão,continuaremos a nos buscar em outras metades.

Para viver a dois,
antes,
é necessário ser um.


(Fernando Pessoa)

terça-feira, 30 de março de 2010

Ás vezes...


Às vezes é melhor deixar o barco correr

Às vezes é melhor não ter o que dizer

Às vezes é melhor não confiar em alguém

Às vezes pode ser um risco a correr...


Sabe aquelas horas que são eternidade

Que trazem só distâncias e nunca a verdade

Sabe aquele medo que não pede licença

Que te soca dormindo, sem tempo de ter reação?

Às vezes é melhor se esconder

Mas como então viver e aprender sem se machucar?


Às vezes eu não quero parar de acreditar

Às vezes da uma vontade louca de parar

Às vezes eu me sinto livre e quero ir pro mar

Às vezes eu não quero nem mesmo pensar...



Catedral

o meu mundo.


«O meu mundo não é como o dos outros,quero demais, exijo demais; há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que eu nem mesma compreendo, pois estou longe de ser uma pessoa;sou antes uma exaltada,com uma alma intensa, violenta, atormentada,uma alma que não se sente bem onde está,que tem saudade… sei lá de quê!»


Florbela Espanca.

domingo, 28 de março de 2010

Desejo


Eu queria que o mar nos envolvesse
na intimidade dos amantes
e penetrando nossos pêlos,
nossos poros,
permanecesse em nós
como cheiro de sal!

Eu queria abraçar todo o universo
porque neste abraço tu virias
e eu teria a tua pele morena
marcada de sol
os teus cabelos molhados, suados!

Eu queria ver teu sorriso
descendo, brincando
em tua boca,
correndo em teus olhos!

Eu queria a magia do dia
e o feitiço da noite!

Eu queria o teu corpo
com gotas de mar
pingos de estrelas
gosto de vida!



carmelinda bampi

sábado, 20 de março de 2010

o meu mundo.


Meu mundo se resume a palavras que me perfuram, a canções que me comovem, a paixões que já nem lembro, a perguntas sem respostas, a respostas que não me servem, à constante perseguição do que ainda não sei. Meu mundo se resume ao encontro do que é terra e fogo dentro de mim, onde não me enxergo, mas me sinto.


Martha Medeiros.

duvidar.


Na construção do conhecimento (uma de nossas funções), a dúvida desempenha um papel essencial. Devemos duvidar do que as fontes nos dizem, questioná-las, problematizá-las, para que delas possamos extrair, a duras penas, algo de valor. Precisamos também manter esta atitude cética, e talvez principalmente, em relação às nossas leituras (in)formativas, do conhecimento já construído, para podermos perceber suas falhas e repará-lo, avançando nessa estrada sem fim, e talvez até sem direção.


Este escrito termina, assim, com uma súplica: duvidemos! A partir da dúvida surge o debate; dele, quem sabe, o progresso? Duvidemos de todas as noções expostas neste espaço (algo além, é verdade, da minha capacidade, mas que tento), mas duvidemos. E que, através desta atitude cética, possamos construir algo, ainda que sejam apenas mais dúvidas. Ou talvez eu deva dizer, para que surjam mais dúvidas?



Thiago Krause

quarta-feira, 17 de março de 2010

SÚPLICA.


Por favor, não fustigue as feridas narcísicas que ainda supuram na minha alma. Você não conhece os traumas que padeci no jardim da infância. Tenha cuidado com os nervos expostos. Lágrimas ainda quentes lembram repreensões infundadas que ruborizaram o meu rosto.


Por favor, não pise se já estou caído. Não tripudie na minha derrota. Os abatidos não merecem essa trágica inclemência. Sinto-me frágil e ainda noto que uma rigorosa espada balança sobre meu pescoço. Preciso de um olhar calmo, que firme os meus pés. Não transforme o meu medo em pânico.


Por favor, não me exile. Ostracismos não regeneram. Sinto-me fósforo riscado, garrafa vazia, pente quebrado. Acolha-me como um órfão. Faça do seu regaço uma maca, das mãos, um atracadouro e dos ombros, um arrimo. Não recrimine, preciso de norte. Seja samaritano, sou o viajante que jaz na beira da estrada.


Por favor, não me deixe com esta crise de aceitação. Sofro por saber que meu prato não está na mesa, que meu nome não consta nas listas, que minha foto foi arrancada do albúm. Você não imagina o constrangimento de saber que provoco risos sarcásticos. Todos queremos ser queridos, desejados. Espero, realmente espero, que voltemos a rir juntos e que meu caminho volte a ser de paz.



AUTOR DESCONHECIDO.

terça-feira, 16 de março de 2010

A céu aberto.


Por favor, não me pergunte agora Por que ainda a minha alma chora Pode ser a dor que não senti Pode ser o amor que eu não vivi Pode ser o medo do amanhã que aflora.


Por favor, não cobre coerência De quem não discerne a existência Que desde o início faz questão De mostrar que a última estação Chega sempre sem acepção ou clemência


Não dá pra voltar e corrigir Nem para esquecer, tentar fugir Após tanto tempo ainda mentir Não fará qualquer sentido O passado só é por passar Morte é renascer noutro lugar E se o futuro ainda não bastar Bem melhor não ter nascido


Por favor, só se preserve perto Pois nem mesmo disto estou certo Posso precisar da sua mão Me ajudando na investigação Ou pra carregar o meu caixão A céu aberto.



alisson ambróssio.

segunda-feira, 15 de março de 2010

saudades.


Trancar o dedo numa porta dói. Bater com o queixo no chão dói. Torcer o tornozelo dói. Um tapa, um soco, um pontapé, doem, Dói bater a cabeça na quina da mesa, dói morder a língua, cárie e pedra no rim...Tudo dói!
Mas, que mais dói é a saudade!Saudade de um irmão que mora longe...Saudade de uma brincadeira da infância...Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais...Saudade de alguém querido que morreu...Do amigo imaginário que nunca existiu...Saudade de uma cidade...Saudade da gente mesmo, que o tempo não perdoa.Doem essas saudades todas!Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama!


marcia oliveira.

confisão.


Não amei bastante meu semelhante, não catei o verme nem curei a sarna. Só proferi algumas palavras, melodiosas, tarde, ao voltar da festa.

Dei sem dar e beijei sem beijo.
(Cego é talvez quem esconde os olhos
embaixo do catre.) E na meia-luz
tesouros fanam-se, os mais excelentes.

Do que restou, como compor um homem
e tudo que ele implica de suave,
de concordâncias vegetais, murmúrios
de riso, entrega, amor e piedade?

Não amei bastante sequer a mim mesmo,
contudo próximo. Não amei ninguém.
Salvo aquele pássaro – vinha azul e doido –
que se esfacelou na asa do avião.


CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE.





domingo, 14 de março de 2010

o Deus conosco.


Jesus é Deus conosco, Emanuel. O grande mistério de Deus ao se tornar humano é seu desejo de ser amado por nós. Ao se tornar uma criança vulnerável, completamente dependente de cuidado humano, Ele quer eliminar toda a distância entre o humano e o divino.Quem pode ter medo de uma pequena criança que precisa ser alimentada, cuidada,ensinada e guiada? Normalmente falamos de Deus como o Deus onipotente, Todo-Poderoso,de quem dependemos totalmente. Mas Ele quis se tornar o Deus não-onipotente, todo-vulnerável,que depende completamente de nós. Como podemos ter medo de um Deus que deseja ser "Deus conosco" e que nos tornemos"Nós-com-Deus"?


Henri Nouwen

sábado, 13 de março de 2010

recolhimento.


Nunca me recolho como quem tem medo de companhia, como quem se basta a si mesmo, ou como quem se acha uma estranheza no mundo. Pelo contrário, recolhendo-me conheço melhor e reconheço minha finitude, minha indigência, que me inscrevem em permanente busca, inviável no isolamento. O isolamento só tem sentido quando, em vez de negar a comunhão, a confirma como um momento seu.


Paulo Freire em A Sombra desta Mangueira.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Uma aprendizagem de desaprender...


O essencial é saber ver – Mas isso (triste de nós que trazemos a alma vestida!)Isso exige um estudo profundo,Uma aprendizagem de desaprender...
Procuro despir-me do que aprendi Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me Ensinaram,E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos,Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras Desembrulhar-me e ser eu...


Alberto Caeiro, O Aprendiz que desaprende.

livres.


Somos, pois criaturas nutridas de liberdade há muito tempo, com disposições de cantá-la, amá-la, combater e certamente morrer por ela. Ser livre - como diria o famoso Conselheiro... - é não ser escravo; é agir segundo a nossa cabeça e o nosso coração, mesmo tendo que partir esse coração e essa cabeça para encontrar um caminho... Enfim, ser livre é ser responsável, é repudiar a condição de teleguiado - é proclamar o triunfo luminoso do espírito. (Supondo que seja isso.). Ser livre é ir mais além: é buscar outro espaço, outras dimensões, é ampliar a órbita da vida. É não estar acorrentado. É não viver obrigatoriamente entre quatro paredes.


Cecília Meireles.

quarta-feira, 10 de março de 2010

A pergunta de Deus para a humanidade.


A PERGUNTA de Deus para a humanidade foi: "Onde estás?" (Gênesis 3.9). Esta é a pergunta ouvida por aqueles que internalizaram a moral de responsabilidade. A fé é uma forma de escutar, e aquilo que escutamos no silêncio imóvel da alma é a pergunta de Deus: "O que você tem feito com a dádiva que Eu lhe dei, a vida? Como você usa o seu tempo? Você vive para si mesmo ou vive também para os outros? A sua pergunta básica é 'O que o mundo pode me dar?' ou é 'O que eu posso dar para o mundo?' Você tem buscado a bênção ou você tem sido uma benção?"


Jonathan Sacks em "Para curar um mundo fraturado"

terça-feira, 9 de março de 2010

o presente e o futuro.


... Entendi muito cedo que uma vida se passa num tempinho à-toa, olhando para os adultos ao meu redor, tão apressados, tão estressados por causa do prazo de vencimento, tão ávidos de agora para não pensarem no amanhã... Mas, se tememos o amanhã, é porque não sabemos construir o presente e, quando não sabemos construir o presente, contamos que amanhã saberemos e nos ferramos, porque amanhã acaba sempre por se tornar hoje, não é mesmo?Portanto, não devemos de jeito nenhum esquecer aquilo. É preciso viver com essa certeza de que envelheceremos e não será bonito, nem bom, nem alegre. E pensar que é agora que importa: construir agora, alguma coisa, a qualquer preço, com todas as nossas forças. Sempre ter na cabeça o asilo de idosos a fim de nos superarmos a cada dia, para tornar cada dia imperecível. Escalar passo a passo nosso próprio Everest e fazê-lo de tal modo que cada passo seja um pouco de eternidade. O futuro serve para isto: para construir o presente com verdadeiros projetos de pessoas vivas.


Muriel Barbery em A Elegância do Ouriço.

esperança.


Sem um vislumbre de amanhã, é impossível a esperança. O passado não gera esperança, a não ser quando se recordam momentos de rebeldia, de ousadia, de luta. O passado entendido como imobilização do que foi, gera saudade, pior, nostalgia, que anula o amanhã. Quase sempre as situações concretas de opressão reduzem o tempo histórico dos oprimidos a um eterno presente de desesperança e acomodação. O neto oprimido repete o sofrimento do avô. É o que ocorre com as maiorias nordestinas deste país. Existencialmente cansadas, historicamente anestesiadas.


Paulo Freire em À Sombra desta Mangueira - Editora Olho Dágua, p. 31.

sábado, 6 de março de 2010

Vamos, poema de amor.


Vamos, poema de amor, levante-se dentre os vidros partidos que chegou a hora de cantar. Ajude-me, poema de amor, a restabelecer a integridade, a cantar sobre a dor.

É verdade que o mundo não se limpa de guerras, não se lava de sangue, não se corrige do ódio. É verdade.

Mas é igualmente verdade que nos aproximamos de uma evidência: os violentos se refletem no espelho do mundo e seu rosto não é bonito nem para eles mesmos.

E continuo acreditando na possibilidade do amor. Tenho a certeza do entendimento entre os seres humanos, logrado sobre o sofrimento, sobre o sangue e sobre os cristais quebrados.


pablo neruda.

Não tente explicar Deus!


Não tente explicar Deus! Se Ele manda orar, ore; se Ele manda amar, ame; se Ele manda confiar, confie; se Ele manda que nos submetamos à Sua vontade, façamos isto; se Ele diz que seu mandamento é amor—pelo amor de Deus, não inventemos uma teologia dogmática e nem sistemática!


CAIO FÁBIO.

quinta-feira, 4 de março de 2010

em busca de lágrimas perdidas.


Fiz-me irmão, e doei-me inteiramente a companheiros, mas hoje hesito. Desconfiado, reparto pedaços do coração. Não suporto imaginar a dor de outras separações, de mais decepções.


Tenho medo de abrir os porões da alma. A desarrumação de minha casa faz sentido para mim. O que os outros consideram bagunça, tem uma sincronicidade própria, que me deixa em paz. Vacilo em rasgar os envelopes selados, onde escondo segredos. Sei detectar os traumas que me deixaram chorão, os complexos que me deram olhos melosos, as circunstâncias que me fizeram viver à beira do pranto, as fragilidades que me transformaram em tímido. Mas não pretendo explicar nada a ninguém.



Tornei-me cauteloso quando brinco e rio. Fujo dos que procuram analisar a minha felicidade; ela não carece de julgamentos. O riso que meus lábios desenham não tem que ser explicado.


Olho para colegas e antecipo navalhadas. Resguardo as costas dos estiletes da inveja. Assusto-me. As maldades que já sofri são parecidas com as que eu próprio já acalentei no peito. Se não sei explicar o porquê de atitudes mesquinhas em mim, também não justifico a estreiteza que observo no próximo. Não sou pior nem melhor que os demais. Por isso, cerco o quintal de casa contra lobos ferozes. Sempre espero alguém ávido para destruir o pedacinho da dignidade que me resta.



ricardo gondim.